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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Diário de uma aventura mística


Texto escrito pelo caro amigo Lucas Loch, vulgo Bob.
É uma honra poder ler e contar com sua colaboração.


Então tá, vou contar pela última vez essa hi/estória para os vivos: Fomos, Arlindo, Rogério, Sivuca, um lagarto que encontramos no caminho e eu, com o objetivo de realizar experiências místicas na Índia. Saímos do Paquistão porque lá tava chato pra caralho, e a ideia era atravessar o norte da Índia, porque o Arlindo queria comprar umas coisinhas na China primeiro, antes de aventurar-se afú pelo sul da Índia e encontrar não-sei-o-quê-lá. Mas morríamos de sede e era impossível caminhar por mais uma noite com todas aquelas pesadas bugigangas nas costas, que o Arlindo fez questão se trazer, enfim. Quando o sol já rachava o meu corpo como um estilete enferrujado, ouvia-se, bem baixinho, uma voz dizendo:

- “Oh, let the sun beat down upon my face. Stars to fill my dream. I am a traveler of both time and space. To be where I have been...”

- CARAMBOLAS-ASSASSINAS-VOADORAS!!! O lagarto sabe cantar - Exclamei suavemente, já envolvido pela leveza da música que parecia nuvens a nos carregar gentilmente.

- "To sit with elders of the gentle race. This world has seldom seen. They talk of days for which they sit and wait.When all will be revealed."

Era difícil acreditar no que víamos, um lagarto aparentemente inútil que decidiu nos seguir, precipitávamos por um possível jantar. No entanto agora ele apronta essa.

- Ah, que delícia, ha-ha-ua-ha-u-ia, eu to flutuando, dizia Rogério, rindo entusiasticamente. Pudera, aquilo era tão suave que fazia cócegas, e apesar de eu não entender bulhufas de inglês, tudo fazia sentido. Talvez porque flutávamos, sei lá.

- "Talk and song from tongues of lilting grace. Whose sounds caress my ear. But not a word I heard could I relate. The story was quite clear Oh, oh, oh, oh" PLUF-CRACK-SPLUFT! Uma bota tamanho 46 estribucha o bichinho. Arlindo era o único de nós que não se deixou levar pela anti-gravitação-cósmica-espiritual-lagartiana, com fones de ouvido potentes entalados na cabeça estava, infelizmente, imune àquele delírio paradisíaco. Sivuca quase teve um orgasmo, pobrezinho.

De repente o lagarto reage, balbuciando suas últimas palavras, mas ainda tentando cantarolar: - “All I see turns to brown as the sun burns the ground. And my eyes fill with sand. As I scan this wasted land trying to find. Trying to find where I've been." E Morreu.

O efeito anti-gravitacional-cósmico-espiritual-lagartiano falhou abruptamente. Caímos de bunda no chão, menos o Sivuca, que não sei porque foi caindo de vagarinho, nem se machucou.

- Porra - gritamos em coro, Rogério e eu, Sivuca ainda estava suspirando.

- Quê foi? - perguntou Arlindo enquanto tirava os fones de ouvido.

- Você pisou na lagarta cara, que merda! - esbravejou Rogério indignado com tudo aquilo.

- Mas a gente não ia matar esse bicho de qualquer jeito?

Decidimos então nem contar a ele o que acontecera naquela cena lancinante para não piorar ainda mais as coisas, o Sivuca não concordou nem discordou, não falou nada. Então seguimos. A jornada era duríssima, a coisa ia de mal a pior, porque além do cheiro que o cadáver do lagarto produzia ser horrível, vinha com isto uma saudade daquela canção que nos alegrou naquele momento.

Caía a noite e já ouvíamos alguns tambores ao longe. Eram nativos e não era conveniente encontrá-los a noite, nem ser encontrados por eles. Fincamos estacas e acampamos ali mesmo, para na manhã seguinte estudar a possibilidade de fazer contato ou não. Feito a fogueira e comidos todos os biscoitos que o Arlindo nos fizera carregar, decidimos dar cabo no bichinho. Espetamos o lagarto e colocamos na fogueira, Rogério ainda não sabia se ia comer a carne do bicho cantor. Eu preparava a carne com todo o pesar do universo e Sivuca engolia um ranho de choro contido, mas preferia nem falar nada.

Eis que, sem mais nem menos, as chamas da fogueira ardiam como se estivessem vivas e lambiam o cadáver ferozmente. Como não havia água, sugeri que mijássemos no fogo para não tostar toda a carne. Rogério foi radicalmente contra aquela falta de respeito com o lagarto. Arlindo foi o primeiro a botar o pau pra fora, já o Sivuca não falou nada.

Mas quanto mais mijávamos, mais fortes as labaredas ficavam. A fumaça colorida que saia da carne incendiada dançava "espiralmente", envolvendo-se em si mesma, até tomar uma forma semi-humana.

- Blasfemos, urinando em minhas vestes carnais, mas que porcos desprezíveis, imundos e ridículos que vós sois. Eu definitivamente não acredito que são estes os escolhidos de minha mãe para as vocações tão gloriosas que irão desempenhar - disse aquele vulto que, pouco a pouco, ia tornando-se claro como a sua voz.

- Mas afinal quem é esse? perguntávamos uns aos outros, com exceção do Sivuca, que não falava nada.

- Eu sou o início - esbravejou a entidade fumaçante.

- Mas como assim velho? - indaguei pexplexo.

- Eu sou o fim! - respondeu prontamente.

- Ele tá de sacanagem, essa bichona estranha ai - desdenhou Arlindo acendendo um cigarro soberbamente.

- Eu sou o indivisível, o real e o irreal, sou o "indenominável", o oni.

- Oni?

- É, oni-tudo.

- Hum, não entendi nada mas por mim - disse o Arlindo.

- Ele é Deus, não ta vendo anta? - tasquei.

- É, sou mesmo e daí? Ninguém é perfeito.

- É que eu pensei que fosse bem diferente - disse Arlindo em ar de deboche.

- Todo mundo pensa, barba, manto e blá-blá-blá, mas não é para isso que vim aqui para este deserto, o que eu vim fazer aqui na verdade foi...

- Peraí, a sua voz...

- O que tem a minha voz?

- Desculpe interromper, mas eu conheço a sua voz, você não é o...o...

- Sim, é a voz do Jim Morrison.

- Uau, então você foi ele? - ingenuamente indaguei.

- Não, não, eu só peguei a voz dele pra mim depois que eu lev, quer dizer, depois que ele se partiu, foi bom para pegar as garotas por um certo tempo sabe, mas isso não vem ao caso, o que importa é que ...

- Tá mas só mais uma coisinha, essa roupa, esse cabelo e esse “zig-zag” vermelho não é do???

- É, é Stardust sim, mas também não tenho nenhuma relação com ele, não me venha com teorias conspiratórias, eu me visto assim pra me sentir melhor ok!? Mas o que me interessa é que, háááá! Ah, até que enfim não interromperam minha preciosa fala. E o velhinho ali, o ancião, não quer perguntar nada também? Afinal, i am god, fuck!

Mas Sivuca não disse nada.

- Tudo bem, enfim posso pelo menos ter agora a tão aguardada oportunidade para poder conjugar os esforços necessários para inteiramente informá-los de que... bom, ã que... Puts eu esqueci.

- Como assim você esqueceu, tá doido?

- Ah esqueci caralho, vocês não paravam de indagar coisas idiotas e eu esqueci o que tinha pra dizer. Poxa vocês já são 7 bilhões, eu sou só um...

- Se não me engano tinha algo a ver com a sua mãe, lembra... Sua mãe?! Como assim?? - pirei.

- Pra mim já era, fodam-se vocês, são muito manés mesmo, eu vou me embora, perderam plays. Fui.

E se foi embora, Deus, caminhando apressadamente, irado. Ele só conseguia pensar em uma coisa enquanto tirava o tapa-olho:

- Ufa, quase me entreguei.

Já a facção mundana parecia ter superado a questão, incrédulos ou não, pareciam não ter entendido que aquela era a experiência tal, para aos quais foram devidamente arrastados ao deserto pelos seus destinos. E rindo fomos, boçais, cantando hinos de virtude a procura da graça em áridas terras. O Arlindo continuou sendo o autor de diversas cagadas, já o Sivuca, bom, o Sivuca não disse nada.

sábado, 31 de março de 2012

Marxismo de bolso

Existe no trabalho braçal, comum a todos, a satisfação das coisas simples, da ação visível e imediata de quem constrói e desconstrói o mundo. Trabalho onde o cansaço liberta e a mente sem rédeas corre frouxa, como bixo que retorna ao habitat natural, que já não é mais caça nem caçador, apenas é e assim o sendo vive. É trabalho qualquer realizado por qualquer pessoa. Diferente do trabalho moderno feito pra modernidade em troca do futuro que, apesar de ser brilhante, não chega, mas cega. Trabalho esse que apequena, subjuga e atormenta, que divide os indivíduos e, vou além, divide o próprio indivíduo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Ateu

Comparados aos teus,
meus valores são nulos,
minhas vazões sem razão.
Melhor os teus
que não são tudo,
melhor as tuas que terão.
Falas muito de piedade,
mas desconhece o perdão.

Convêm lembrar que a verdade,
quando convier esquecer,
assume formas de verdades
que só vendo pra crer.
E eu compro,
pra provar que são mentiras,
Comprovo,
que não existem mais verdades.

De modo que não me agrada
essa tua moral,
cínica e inflexiva,
além do bem e do mal.
Queria eu ser igual
e não pensar diferente
de modo a te agradar
com modos de crente.

Mas creia-me que eu sou ateu.

domingo, 6 de novembro de 2011

Ambrósio

O contrato social é uma merda.
Você sabe, por exemplo, como funciona a dinâmica de uma festa pra...gente feia?
Claro que não. Você, visivelmente, não está familiarizado(a) com esse contexto. Permita-me explicar:
O feio costuma, na maioria das vezes, ser muito indiscreto com sua feiura. Porém, aqueles que o comtemplam, já não o são. Assim, o feio, a partir do instante em que se percebe sua presença na festa, até o momento em que, por uma questão de comodidade geral, vai embora, passa a ser institucionalmente ignorado.
Acredita-se que evitando olhares curiosos o feio se sentirá mais a vontade. Pra garantir, alguns chegam a fingir que o feio nem existe, coisa que requer esforço genuíno. Tudo pelo social.
Mas o feio, é claro, não entende dessa forma, entende de outra forma e se deforma ainda mais em sua feiura.
Gênio é o cara que inventou o edredom.

sábado, 27 de agosto de 2011

Oração

Considerando tudo que o Senhor me deu, corro o risco de passar-me por um lazarento hipócrita ao ousar, aqui, também alugar vossos ouvidos divinos com minhas lamurias mundanas. Mas, crente que é vossa mão que vem abençoando meus passos nessa jornada e, quando necessário, apunhalando aqueles que me querem mal, clamo que não descuide daqueles desgraçados que tanto te amam e gritam teu nome. Pois eles, tragicamente, só tem a ti como consolo e ao teu reino como abrigo.
Dada a peculiaridade dessa oração, rogo que compreendas o contexto geral no qual ela é transcrita, do qual naturalmente és onisciente e pactuante. Rezo que intervenhas logo e de um fim pragmático em todos esses conflitos armados movidos pelo ódio entre iguais e ignorância coletiva, quantos destes então declarados em tua graça.
Peço, principalmente, que ilumine a física moderna e seus cientistas que tanto te desprezam e que um dia ainda hão de provar que não existes, que és apenas a personificação da retórica do autor. Mas dai também já não importa mais, pois nesse dia tudo ficará devidamente explicado, todos os mistérios solucionados, todas as perguntas respondidas e toda humanidade proscrita.
Amém.

sábado, 2 de julho de 2011

Apoteose

Eu tenho uma teoria sobre os músicos, uma ideia que envolve geneologia e analogias de toda sorte. Baseia-se basicamente no conceito de evolução e dispersão de genes.
Defendo ululante que esses músicos todos que aí estão, inflando bandeiras, fazendo barulho, rabudos, herdam e transmitem genes musicais em diversos níveis.
A cada uma ou outra geração, nasce um desses fabulosos talentos anônimos de quermesse. Cheios de potencial, igual ao império romano. Mal sabem eles que tem, no passado, um ancestral comum, provavelmente algo que, urrando pra lua de frio, inventou o Sol, daí até “solar” todos os acordes musicais foi um pulo, quer dizer, um salto evolutivo.
Portanto, não me venha dizer que é uma questão de prática, é uma questão de dote. E se grandes poderes trazem grandes responsabilidades, o mínimo que todo pretenso artista deveria fazer é refinar sua arte para posterioridade.
Darwin explica. Eu interpreto.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Conto

Uma mosca pousava pontualmente na tela da televisão de Haroldo. Bastava ele ligar a velha toshiba que a tal mosca aparecia, primeiro em rasantes baixos, estudando o território, depois, como se fizesse um alvo, pousava certinho no meio da tela.
Haroldo, xingava irritado, sinceramente esperava que a mosca se intimidasse com seu oponente e fugisse. Mas a cretina parecia ignorar o seu apelo e vidrava doida a televisão. Não foram poucas as vezes em que, num ato decisivo, de flácida demonstração bélica, jogara toda sorte de objetos na mosca maníaca, que se esgueirava leve, e retornava pro mesmo lugar, e ali ficava até que desligassem a tv.
A longo prazo, a mosca vencera. Haroldo nunca chegará a combate-lá satisfatoriamente e agora parecia ter perdido completamente o interesse pelo conflito, parecia, pelo contrário, se entreter com sua presença.
Às vezes, quando chegavam as visitas, Haroldo corria atencioso para explicar aquela presença incomum, antes que alguém, por ignorância, lhe desse cabo. E ele explicava sempre, de forma divertida e corriqueira, como se falasse de um animal de estimação. As pessoas sorriam achando graça. Era a pior das esquisitices, coisa comum em gente velha, a solidão.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Censurado

_ Vou parar!
_ Ah... é?
_ Esse foi o último.
_ Por hoje?
_ Pra sempre.
_ Sei. Culpa católica é uma merda.
_ ...
_ ...
_ Dessa vez tô falando sério.
_ Quem para não fala; faz.
_ ...
_ Eu tive pensando: é tão bom que não sei não.
_ Como assim?
_ Não sei se pode.
_ Pode o quê?
_ Poder assim.
_ Ih! Que papo doido.
_ É mesmo.
_ Ha ha.
_ Ha ha ha.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Morte ao ego

As vezes peco por autenticidade. Tento inutilmente fugir dos lugares comuns, evitar os clichês, ser eu mesmo, e pra quê? Esse esforço expressivo nunca é reconhecido com bons olhos, e pode ser até muito mal entendido. Além do mais, toda socialização é um campo minado de modelos comportamentais. Como evitá-los? A comunicação humana é complexa como um labirinto. Existem por sorte caminhos pré-determinados a seguir. Pra que inventar e ir às escuras? A previsibilidade é a regra, o caminho mais curto do ponto A ao ponto B. A ironia é que, assim colocado, inovações sócio-comportamentais só podem partir de indivíduos insociáveis. Mas afinal de contas, pra que essa necessidade de se afirmar enquanto indivíduo, construir uma identidade própria? O que sou eu se não a soma das experiências culturais, racionais e emocionais absorvidas pela carga genética? Eu só interesso para mim mesmo. À coletividade pouco importa o indivíduo, à coletividade só o coletivo importa. A busca por identidade é uma busca egocêntrica, a definição e consagração da individualidade um ato narcisista. As vezes peco por autenticidade e isso também é bem clichê.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Síntese

Só agora me dou conta. Nietzsche já sabia e ainda fazia questão de ressaltar, mas ninguém ligava, ele era um homem à frente de seu tempo. Os poetas também sabiam, mais faziam mistério, quando perguntados des-versavam, alegavam a competência dos seus versos e prosas à lúdica inspiração. Que nada. À sapiência melodiosa dos pequenos pensamentos, eis aí o segredo, da música de Bob Dylan ao aforismo de Nietzsche. Síntese. É preciso dizer em sete linhas o que o maior sábio do mundo diz em sete livros. Ao acadêmico que idolatra a ciência falta o poder da síntese.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Jesus Christ Stand-up Comedy

A galera que escreveu a bíblia só errou num ponto, e é deverás curioso que nem mesmo numa dessas suas atualizações esporádicas esse erro tenha sido reparado. Já daí a tendência católica de insistir no erro.
Como qualquer orador (sacou?) sabe, humor é fundamental, todo discurso - especialmente o religioso, ainda que despropositadamente - busca em algum momento o riso. Afinal, esse é o método historicamente comprovado de persuasão. Mas então, como pode o livro sagrado do homem que ri ser tão sério assim? Totalmente sem graça, se levando a sério mesmo nas situações mais pitorescas, desde o lúdico gêneses até o nonsense apocalipse. Só nisso perdeu-se uns 60% dos momentos piada-pronta da nossa literatura.
É muito perturbador. O homem, já culturalmente condicionado, ao entrar em contato com a bíblia recebeu mensagens complementares e ao mesmo tempo contraditórias. O ponto duma é o contraponto d’outra. Um bacanal. A confusão foi tanta que, nesse primeiro instante, a humanidade ficou sem ação, perplexa diante de tal paradoxo. Nesse meio tempo, a igreja, já a beira de um ataque de nervos, quer dizer, como estatisticamente a elite esta sempre preocupada né, encerrou a discussão decretando, talvez num desses concílios de prelados, que o riso era coisa do diabo e assim ficou. Foi sua ruína.
Em curto prazo foi uma sabia decisão administrativa é verdade, mas agora, nesses tempos de gozos instantâneos, é plausível dizer que essa estratégia esta muito obsoleta. Basta assistir alguns minutos de qualquer um desses programas religiosos de tevê de hoje em dia, esses velhos safados pastores são todos uns gozadores.
Por lógica, se Deus existi é em versões limitadas na linha do tempo e com propósitos igualmente distintos. Já o homem continua essencialmente o mesmo, um babaca.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Oásis

Agora eu vejo! Esta lá, no horizonte. Vulto distante, brilhante. Será o que eu quiser. É o que eu quero. Dá perspectiva e expectativas. Basta um destino pra seguir à beça. É a recompensa, o troféu, a vitória. Mas só depois, no futuro, futuro perfeito desenhado à mão. Cada um com o seu, todos iguais. O objetivo final frente a os obstáculos iminentes, assim é e sempre foi. Algo concreto que nos prende ao chão, que nos sustenta em pé e nos emerge a força. Algo pelo que lutar, por amar e não querer perder. Algo pelo que viver e assim tentar alcançar o inalcançável. Chame do que quiser, esteja onde estiver, seja como for. Mesmo que seja preciso ser outro ou apenas mais do mesmo. Mesmo que os fins justifiquem os meios. Se há coerência ou não, que importa? Pois lá esta meu fim, que bem pode ser um novo começo.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Terapia

Qual o problema da gente? Gente que teme a realidade, lhe mascara, lhe maquia, lhe consome. Pois se a gente tem grana tem sempre razão. Gente que encara o mundo atrás de escudos, mas não consegue encarar o espelho. Gente que ri impunemente, mas não encontra satisfação. Gente que desbravou fronteiras, pra acabar trancada entre quatro paredes. Gente que faz tudo tão igual, mas que acredita que é tão diferente que nem pode se dizer que é da mesma gente. Gente que sofre. Gente que sente. A gente que é um, tão diferente que são vários, mas que temem as diferenças igualmente. Gente que cansou de correr. Gente que não pode parar. A gente que senta pra assistir TV e assisti a vida passar. Gente que quer muito mais, mas que não pode agüentar. Gente que reclama da rotina, mas que tem medo da mudança. Gente que reclama da vida. Gente que reclama da morte. Gente que chora calada. Gente que não tem medo de nada. Gente como a gente. Gente que não é gente. A gente debruçada em paradoxos. Qual o problema?

domingo, 19 de dezembro de 2010

Todos os olhos

Hei você, quer mesmo me ler agora, sim, você me parece bem inclinado a fazer isso, pense de novo, muito bem, então prossiga, não pense que vou impedi-lo. Mas você ainda esta ai, ótimo, pois que fique e fique claro, não se deve abrir uma porta sem estar pronto pra passá-la, existe uma ordem nesse caos, você vai ver, eventualmente.
Agora pra você que ficou, primeiro, você é um ser livre, parabéns, retire seu certificado na saída. Ok, agora é sério, você leu o panfleto, não leu, dizia o que na chamada, que você é um merda, que você se perdeu, é verdade, que você ainda pode parcelar, é bem assim, fodam-se eles. O quê, você está aqui por que quer redenção, foda-se você então. Você não escutou os boatos também, eles correm por toda cidade, você não me procurou primeiro, eu sei, deve ter checado todos os outros lugares, a boa palavra anda mesmo em escassez, o material até que é farto, mas inútil, são muitos os que falam para os poucos que escutam. Pois bem, vamos lá, ao meu comando, eu sempre tive mesmo vocação pra mártir.
Acenda um baseado, eu sei, existe um ritual, ignore-o, vamos nos ater ao óbvio, a fumaça, sem pressa, dura o tempo que durar, adaptação, entenda o mecanismo, você vai saber quando parar, não pare antes de sabê-lo. Pode tossir, tosse que é bom, ta ótimo, agora chega. Sinta seu corpo seu fanfarrão, você pode senti-lo não pode, cada músculo, cada processo bioquímico, o todo feito das partes, o sistema.
Percepção expandida, ok, se abrace a coisas concretas, discretas, pode a mandíbula abrir, não ligue, escute, todos os olhos se viram pra você, contestando, sorrindo, tentando, queria lembrar, queria saber, quanta distração, o passado é um baú cheio de histórias loucas, apenas escolha uma. Ah, essa é excelente, tudo haver, você até já se vê em terceira pessoal, eufórico, grite, essa é a melhor coisa do mundo, a boca seca, sorva seus erros, quantos passos, sua memória revira, aí isso explica muita coisa, mas não explicita nada.
Abstração, só mais uma nota de roda pé, você olha as horas, mas não pode ser, quanto tempo já passou, sair correndo apressado, será que eles vêem os seus olhos vermelhos, é hora de ir, comer alguma coisa, pouco metódico, seus olhos ardem, fecham, abrem. Você está bem, muito bem.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

God

No começo era apenas uma voz tímida disputando atenção em meio à multidão apressada.
- Com licença... Um minutinho da vossa atenção, por favor. Huhum... Senhores, por favor...
Mas aos poucos o estranho interlocutor parecia ser mais e mais notado pelos transeuntes catatônicos, como se seu público instantaneamente soubesse da importância de suas palavras e assim parasse tudo para apenas ouvi-lo e sua voz os enchia de graça, glória e amor. Posteriormente alguns de seus delatores, os ditos racionais, vieram a relatar esse feito apenas como interessante visto que qualquer um que descende do céu e flutua no ar merece seus 15 minutos de fama. Assim, ele continua:
- Bem, hum... não tem como dizer isso sem causar polêmica. Hã... então, eu sou vosso novo deus. O quê? Vocês também não concordam que já era tempo de trocar a administração? Como vocês bem sabem a gerência antiga andava muito acomodada, não é querer falar mal, mas já faz quanto tempo desde a última intervenção divina? Deus, eu nunca me acostumo a esse fuso horário de vocês, o futuro é tão urgente e o passado tão frívolo, não me espanta a obsolescência anterior - eu mesmo mal sei o que se passa em vosso comprimento de onda. Enfim, eu sei que vocês estão um pouco confusos e que com certeza ainda haverá muita especulação a meu respeito, mas primeiramente quero deixar claro a que vim, pois estou aqui pessoalmente, na verdade, como vocês já sabem, eu também estou em todos os lugares de modo que eu nunca sei ao certo como me localizar geograficamente, mas o importante é vocês saberem que minha presença representa o início de uma nova era para humanidade, uma era a ser vivida sobre a égide da transparência. Acabaram-se os mistérios, vocês querem a verdade, pois então terão a verdade e mais que a verdade vocês terão também a luz. E pra começar... hum, deixa eu ver... aonde esta mesmo... ahá, dona Maria Bernardes, pensou que eu não fosse lhe ver ai atrás hein? Eu vejo tudo.
Para o bem ou para o mal o certo é que nesse momento o circo já estava completamente montado, com direito a palco e fogos de artifício, câmeras de tevê e repórteres investigativos, além é claro de pessoas sem noção tirando fotos com o celular e o já clássico pipoqueiro que também não ia perder uma oportunidade dessas né. Mas, quando aquele que dizia ser deus, chamou um membro da platéia ao palco, a multidão foi ao delírio e explodiu em aplausos, alguns ainda indagavam baixinho se o show seria interativo. Voluntários a assistentes divinos rapidamente encaminharam a velha senhora ao palco.
- Pois bem, responda-me rapidamente, é verdade que a senhora questionou a existência do inferno?
- É...
- Então... a má noticia é que o inferno não só existe como eu estou lhe enviando pra lá agora mesmo. Ah e não se esqueça de dar um abraço no capeta por mim dona Maria, é, ele também existe.
Deus mal acabou de pronunciar sua sentença e a velhinha desaparece, pá-pum e ela não está mais lá, sumiu diante a multidão atônita. E em tom celestial ele continua:
- Coitada, boa pessoa, uma pena que questionava demais. Mas não se preocupem pessoal, para os bons sempre haverá o céu e depois Paris é claro. Aliás, essa é a boa noticia ok.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Rosa de Hiroshima

Creme de alface
Conto de Caio Fernando Abreu publicado em Ovelhas Negras

Enfim, enumerou na esquina, Raul se enforcara no banheiro, cinco anos exatos amanhã, e este maldito velho com passinho de tartaruga bem na minha frente, eu tenho pressa, quero gritar que tenho muita pressa, Lucinda quebrou as duas pernas atropelada por um corcel azul três dias depois da Martinha confessar que estava grávida de três meses, e não quer casar, a putinha, desculpe, mas o senhor não quer deixar eu passar? tenho pressa, meu senhor, o telegrama, a putinha, crispou as mãos de unhas vermelhas pintadas na alça da bolsa, pivetes imundos, tinham que matar todos, venha urgente, ir como com aquele desconto de trinta por cento no salário e todos os crediários, papai muito mal pt, apoiou-se, não, não se apoiou, não havia onde se apoiar, apenas pensou no apoio de alguma coisa sólida que não estava ali, havia só os corpos, centenas deles indo e vindo pela avenida, ela roçando contra as carnes suadas, sujas, as gosmas nas lentes dos óculos, como se não bastasse a tia Luiza agora que nem criancinha, mijando nas calças, brincando de boneca, dá licença, minha senhora, tenho seis crediários para pagar ainda hoje sem falta, aqueles jornais cheios de horrores, aqueles negrinhos gritando loterias, porcarias, aquele barulho das britadeiras furando o concreto, naquele dia, a fumaça negra dos ônibus e eu de blusa branca, a idiota, introduzindo devagar a chave na porta do, apartamento de Arthur, buquê de crisântemos na outra mão, uma hora tão inesperada, e tão inesperados os crisântemos, a senhora não vai andar mesmo? o sinal já abriu faz horas, só uma cretina seria capaz de trazer duas crianças ao centro da cidade a esta hora, ele jamais poderia imaginar, o ruído leve da chave abrindo a porta, animal, por que não olha onde pisa? atravessar a sala na ponta dos pés, abrir a porta do quarto e de repente a bunda nua de Arthur subindo e descendo sobre o par de coxas escancaradas da empregadinha, meu deus, mulatinha ordinária, se pelo menos fosse uma profissional, eu podia entender, eu não podia entender, vomitou no elevador sobre os crisântemos amarelos, não, não sei onde é a Casa Oriente, pergunte para o guarda, agora ele vai morrer, será castigo? câncer no baço, nunca mais seu cheiro de cavalo limpo, nunca mais o peso e os pêlos de seu peito sobre meus seios quase murchos, a putinha, a mulatinha vadia, por isso me olhava com aquele ar superior, ainda por cima esse calor absurdo em pleno inverno, o eixo da Terra, dizem, a estufa, o ozônio, tudo um horror, em dez anos estaremos todos surdos, cegos, envenenados, as lãs do começo do dia vertendo suores entre as pernas, como é que uma gorda dessas pode sair à rua ao lado de outra gorda ainda mais larga? fazem de tudo para atravancar o movimento alheio, se pelo menos tivessem avisado a gente, você não vai me vencer, ouviu bem sua vida de merda? Eu vou ganhar de você no braço na raça e quem se meter no meu caminho eu mato, sem falar no Marquinhos o tempo todo enfiando aquelas coisas nas veias, roubando coisas pra comprar a droga, e sou eu sozinha quem carrega todo esse peso nas costas, isso ninguém percebe, ninguém valoriza, não, eu não nasci para viver neste tempo, sensível demais, no colégio já diziam, certo talento pra dança, eu tinha, e a Lia Augusta agora querendo ser modelo, fortunas naquelas fotos, não tenho nada com isso mas falei assim pra lolanda, bem na cara dela: é tudo puta, o senhor por favor poderia fazer o obséquio de tirar o cotovelo da minha barriga? porque precisa ser super-humana, vocês estão me entendendo, seus porcos, boiada, manada, desviou com nojo do velho, a pústula exposta, vai pedir dinheiro na Secretaria da Fazenda, já cansei de dizer que mendigo é problema social, não pessoal, a cadela da Rosemari bebendo cada vez mais, meio litro de uísque até o meio-dia, depressão, ela diz, no meu tempo isso tinha outro nome, pouca-vergonha era como se chamava, este fio fino de arame atravessado na minha testa, de têmpora a têmpora, vibrando sem parar, é preciso sim ser biônica, atômica, supersônica, eletrônica, vocês pensam que eu sou de ferro?
Quando ia começar a rir alto parada na esquina, viu a bilheteria do cinema, a franja de Jane Fonda, imaginou a temperatura amena, o escuro macio na medida exata entre o seco e o úmido e pelo menos, decidiu olhando o relógio, ainda dá tempo, os crediários podem esperar, pelo menos duas horas santas limpas boas de uma outra vida que não a minha, a tua, a dela, a nossa, uma vida em que tudo termina bem.

Foi então que a menina segurou seu braço pedindo um troquinho pelo amor de deus pro meu irmãozinho que tá no hospital desenganado, pra minha mãezinha que tá na cama entrevada, tia. Ela disse não tenho, crispando as unhas vermelhas na alça da bolsa enquanto puxava a entrada do outro lado do vidro da bilheteria. A menina insistia só um troquinho pro meu irmãozinho e pra minha mãezinha, moça bonita, tão perfumada. Ela repetiu não tenho e de novo não tenho, mas a menina olhava o troco pedindo cinqüenta centavinhos, uma tia tão bonita, eu tô com tanta fome e o meu irmãozinho desenganado no hospital e a minha mãezinha entrevada em casa, eu que cuido. Ela gritou não tenho porra, e foi tentando andar em direção à porta do cinema, não me enche o saco, caralho, em volta os outros olhavam, e não me chama de tia, mas a menina não largava seu braço. Assim: ela segurando com força a alça da bolsa fechada enquanto tentava andar, e sem querer arrastando a menina que não parava de pedir. Ela sacudiu com força o braço como quem quer se livrar de um bicho, uma coisa suja grudada, enleada, e foi então que a menina cravou fundo as unhas no seu braço e gritou bem alto, todo mundo ouvindo apesar do barulho dos carros, dos ônibus, dos camelôs, das britadeiras, a menina gritou: sua puta sua vaca sua rica fudida lazarenta vai morrer toda podre.
Tão exato, subitamente. Inesperado, perfeito. Mais contração que gesto. Mais reflexo que movimento. Como um passo de dança ensaiado, repetido, estudado. E executado agora, em plenitude.
Ela ergueu a perna direita e, com o joelho, pelo estômago, jogou a menina contra a parede. A menina escorregou gritando cadela filha da puta rica nojenta vai morrer toda podre. Mas tantos carros passando e tanto barulho mas tanto tanto, justificaria depois, à noite, na mesa do jantar, bem natural, servindo a sopa ainda não decidira se de ervilhas ou aspargos, sabem, hoje me aconteceu uma coisa que, tudo vibrando tanto, tudo se movendo tanto, tudo girando tanto, esse arame atravessado na minha testa, uma coroa de espinhos. Certeira, com a ponta fina da bota acertou várias vezes as pernas da menina caída. Alonga e contrai e bate e volta e alonga e contrai e bate e volta: exatamente como numa dança, certo talento, todos diziam. Mas não esperou pelo sangue. Afastou as pessoas em volta com os cotovelos, só o tempo de comprar um pacote de pipocas, para afundar naquele escuro exato, nem úmido nem seco, em tempo ainda de ver no espelho da sala-de-espera uma cara de mulher quase moça, cabelos empastados de suor, roxas olheiras fundas e mãos de unhas vermelhas pintadas crispadas com força na alça da bolsa.

Quase uma assassina, não pensou, meu deus, quase uma criminosa, espalhando-se sem horror na poltrona no momento em que as luzes começavam a diminuir. Apertou a bolsa no colo, puxou com as unhas, para baixo, a gola alta arranhando o pescoço, cheiro de bicho, sentiu, cheiro meu de bicho eu brotando do meio dos meus seios quase murchos, seis crediários e esse dinheiro por um filme que nem sei direito, Arthur deve estar morrendo mais um pouco agora, os cabelos finos e frágeis da quimioterapia. Ah, se enforcar feito Raul, se deixar atropelar igual Lucinda, regredir como tia Luiza, emprenhar que nem Martinha, trair como Arthur, se drogar igual Marquinhos, beber feito Rosemari, virar puta que nem Lia Augusta: biônica atômica supersônica eletrônica — catatônica o dia inteiro no canto do pátio, enrolando no dedo um fio de cabelo ensebado, os outros mijando e cagando em cima dela, a pia cheia de louça de três meses, lesmas, musgos, visgos, deixar apodrecer a vida como a vida deixou apodrecer o coração, não, não nasci para este mundo, a bunda num subindo e descendo sobre um par de coxas alheias, ainda por cima mulatas, nunca mais e eu de blusa branca e com crisântemos amarelos, puta fudida, cadela escrota, ai que vou morrer toda podre por dentro, por fora.
O bico da bota ardia querendo mais, cinco anos no fundo de uma cama, e de repente o contato do joelho quente de uma perna estendendo-se da poltrona ao lado, tentou prestar atenção nas imagens, a silhueta das cabeças, meu deus, que boca tem a Jane Fonda, pensou em mudar de lugar, mas tão cansada, um oceano de paz, e antes de decidir arriscou um olho para o nariz poderoso do macho ao lado desenhado no escuro a seu lado, e suspirou mole, por que não, ninguém vai saber, cadela gorda no cio afundada cada vez mais na poltrona, a boca cheia de pipocas.
Pouco antes de abrir as pernas deixando os dedos dele subirem pelas coxas, bem devagar, para não assustá-lo, ainda esfregou as palmas secas das mãos uma contra a outra, tão ásperas, o espelho da sala de espera, uma lixa, que pele meu deus tem a Jane Fonda, o lixo das mas e o roxo das olheiras tão fundas, mas tão fundas pensou acariciando o rosto enquanto um dedo dele entrava mais fundo, tão fundas que resolveu, eu mereço, danem-se os crediários, custe o que custar saindo daqui vou comprar imediatamente um bom creme de alface.

Nota do autor: O que me aterroriza neste conto de 1975 é a sua atualidade. Com a censura da época, seria impossível publicá-lo. Depois, cada vez que o relia, acabava por respeitá-lo com um arrepio de repulsa pela sua absoluta violência. Assim, durante vinte anos, escondi até de mim mesmo a personagem dessa mulher-monstro fabricada pelas grandes cidades. Não é exatamente uma boa sensação, hoje, perceber que as cidades ficaram ainda piores e pessoas assim ainda mais comuns

sábado, 23 de outubro de 2010

Os urubus só pensam em te comer

No Brasil e também na maioria dos outros países supostamente democráticos existe a chamada massa de manobra, expressão sintética imensurável, porém muito útil na manutenção da ordem pública, pois consiste na determinação ou orientação em nível inconsciente de suas escolhas, de maneira que você realmente não possa distinguir com total clareza falsas ideologias de pressupostos naturais e por fim acabe se unindo de bom grado ao establishment, visto que a maneira mais fácil de pensar sempre foi a que já vem pronta.
Acredite ou não o “povo no poder” é mais uma peça no teatro das marionetes, para que o espetáculo ocorra é preciso orquestra, talvez até platéia. Para acreditar que o povo realmente funciona enquanto unidade, sem o desastre da partilha, é preciso fé cega. A gente imagina igualdade e bem comum, mas como bem disse George Orwell, somos “todos iguais, mas uns mais iguais que outros”. É a utopia dos tempos futuros que mantêm as coisas no lugar, a imagem de progresso nas antenas de TV. De certo que quem apóia o ventriloquia também sonha um dia ser ventríloquo. Assim vão as coisas indeléveis.
A massa de manobra não pode ser distinta com clareza, você não sabe quem faz parte dela ou se você mesmo em algum momento já não fez, quiçá agora enquanto lê esse texto? É por isso que devemos entender a massa de manobra no coletivo, dela fazem parte todos e ninguém. Ao contrário do que dizem esses que se põem a pensar pelo povo, mas que na verdade só estão pensando em si mesmos, não é o contexto de classes que favorece essa determinação ou orientação social (pelo menos não é só isso), é uma série de fatores interligados e aparentemente independentes. Não estou falando de populismo, muito pelo contrário, falo do que está por de trás da cortina. A conquista do poder, o poder, tudo se resume a poder.
Se a melhor síntese a os nossos tempos for outra, temei. Se esse texto for apenas paranóico, então eu me dou ao direito de sê-lo.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

OK Computer

Escrever por escrever em tempos que nem se escreve mais é bem diferente de falar por falar. Não existe esse negócio de escrita casual, escrever é um processo contínuo. Antes mesmo d’a tinta tocar o papel (licença poética!) cada palavra já foi milimetricamente medida, estudada em sua estrutura fonética e rítmica, interpretada e reinterpretada. De fato, pouco resta à casualidade.
Ao contrário da vazão das palavras ditas, parece incontestável a rigidez da escrita já que ao escrever estamos a fixar uma idéia no tempo e no espaço, e mesmo que possamos depois apagar o que foi escrito, jamais poderemos negar que o escrevemos. O que você escreve, queira ou não, pode ser a coisa mais duradoura que você deixa ao mundo. Mas não tema, condenável ou condensável, só os tolos não mudam de idéia.
Na verdade, escrever é uma conquista frustrante, o que você escreve nunca é bem como você pensa e nem bom como pensou que fosse. Na cabeça as idéias fluem, mas no papel elas tropeçam e quebram. Escrever é juntar os cacos.
Mas haverá um objetivo para escrita ou escrever por si só já é um objetivo? E o leitor, encontrará respostas às auto-indagações do autor? Claro, qual coisa ele ignora? Esse sábio ser contemplativo. Qual será seu limite? Apenas 100 caracteres? E eu, posso fazer do seu silêncio consenso e continuar? Acho que não.

domingo, 3 de outubro de 2010

Todo mundo pastou

É engraçado como a ciência costuma ser, em geral, uma via de mão dupla. Conservadores Brasil afora tentam provar cientificamente os supostos males da maconha, como se ao prová-lo pudessem instantaneamente eliminá-la da sociedade. De certo que provas concretas serviriam pra algo, talvez para o aumento da repressão ao usuário, ou então para o fortalecimento do poder público através da continua guerra contra as drogas. Mas felizmente tais males nunca foram comprovados, muito pelo contrário, cientificamente falando a proibição da maconha faz tanto sentido quanto faria a proibição do açúcar com base na existência de diabéticos. Ora, há uma razão para cannabis sativa ser chamada de droga recreativa. Bem, como eu disse cientistas não vendem carros, não há garantias. Se os resultados das pesquisas não lhe são favoráveis as autoridades simplesmente as ignoram, mas e você o que faz?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

10x2

Hoje foi engraçado, por que eu acordei com olho esquerdo muito esquisito, ele tava vermelho, sensível a luz, realmente muito estranho, como nos filmes de zumbi, mas isso só me ocorre agora... ainda bem. E isso atraiu atenção demais, eu entendo, é difícil não encarar algo assim, é como para os vesgos... não se pode disfarçar. Mas até aí tudo bem, problema mesmo foi quando ao entardecer eu fumei um baseado – afinal, o que mais se fazer num dia assim? E o efeito foi retardado, no sentido de atrasar, vocês entenderam né? Temam o efeito retardado. Eis o dilema: Ir ou não ir chapado pra casa? Não fui. Caminhei sozinho pelas ruas... quase dormi na praça. Na verdade, eu até sentei mesmo num banco. Brio e eu ria brida. Num momento de lucidez, percebi que estava atraindo a atenção dos michês. Hum... percebi, que os michês atraiam a atenção da policia. Dei o fora. Quando me dei de conta já estava no mercado. A opinião publica divide-se entre os que acham os maconheiros malvados, os que acham que a maconha é que é a malvada e os que não acham nada. Todos concordam que beber faz mal (e comer e pensar...). Mas o que isso importa se com o olho daquele jeito eu podia estar até as duas coisas, bêbado e drogado, quiçá até fugi da cadeia. Na seção de frios ainda pensei, “chapado no mercado, que clichê.”. No caixa, aprendi que a menor fila nem sempre é a melhor, aprendi que velhas judias ainda são velhas judias, fui apreendido. Ah, foi uma confusão. Acontece que de bobeira coloquei a mão no bolso da jaqueta, acontece que de bobeira o gerente encarava meu olho e acontece que meu olho entregava minha bobeira. Independente deu fumar e eu havia fumado, a mão no bolso denunciaria uma arma, logo um roubo, logo os seguranças me cercaram. Uma pena que as aparências enganem. Infelizmente eu só tinha outro baseado no bolso, foi o suficiente, era melhor uma arma.

Pitagórico: 10 reais por 2 baseados, isso que eu chamo de barato que sai caro.