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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Diário de uma aventura mística


Texto escrito pelo caro amigo Lucas Loch, vulgo Bob.
É uma honra poder ler e contar com sua colaboração.


Então tá, vou contar pela última vez essa hi/estória para os vivos: Fomos, Arlindo, Rogério, Sivuca, um lagarto que encontramos no caminho e eu, com o objetivo de realizar experiências místicas na Índia. Saímos do Paquistão porque lá tava chato pra caralho, e a ideia era atravessar o norte da Índia, porque o Arlindo queria comprar umas coisinhas na China primeiro, antes de aventurar-se afú pelo sul da Índia e encontrar não-sei-o-quê-lá. Mas morríamos de sede e era impossível caminhar por mais uma noite com todas aquelas pesadas bugigangas nas costas, que o Arlindo fez questão se trazer, enfim. Quando o sol já rachava o meu corpo como um estilete enferrujado, ouvia-se, bem baixinho, uma voz dizendo:

- “Oh, let the sun beat down upon my face. Stars to fill my dream. I am a traveler of both time and space. To be where I have been...”

- CARAMBOLAS-ASSASSINAS-VOADORAS!!! O lagarto sabe cantar - Exclamei suavemente, já envolvido pela leveza da música que parecia nuvens a nos carregar gentilmente.

- "To sit with elders of the gentle race. This world has seldom seen. They talk of days for which they sit and wait.When all will be revealed."

Era difícil acreditar no que víamos, um lagarto aparentemente inútil que decidiu nos seguir, precipitávamos por um possível jantar. No entanto agora ele apronta essa.

- Ah, que delícia, ha-ha-ua-ha-u-ia, eu to flutuando, dizia Rogério, rindo entusiasticamente. Pudera, aquilo era tão suave que fazia cócegas, e apesar de eu não entender bulhufas de inglês, tudo fazia sentido. Talvez porque flutávamos, sei lá.

- "Talk and song from tongues of lilting grace. Whose sounds caress my ear. But not a word I heard could I relate. The story was quite clear Oh, oh, oh, oh" PLUF-CRACK-SPLUFT! Uma bota tamanho 46 estribucha o bichinho. Arlindo era o único de nós que não se deixou levar pela anti-gravitação-cósmica-espiritual-lagartiana, com fones de ouvido potentes entalados na cabeça estava, infelizmente, imune àquele delírio paradisíaco. Sivuca quase teve um orgasmo, pobrezinho.

De repente o lagarto reage, balbuciando suas últimas palavras, mas ainda tentando cantarolar: - “All I see turns to brown as the sun burns the ground. And my eyes fill with sand. As I scan this wasted land trying to find. Trying to find where I've been." E Morreu.

O efeito anti-gravitacional-cósmico-espiritual-lagartiano falhou abruptamente. Caímos de bunda no chão, menos o Sivuca, que não sei porque foi caindo de vagarinho, nem se machucou.

- Porra - gritamos em coro, Rogério e eu, Sivuca ainda estava suspirando.

- Quê foi? - perguntou Arlindo enquanto tirava os fones de ouvido.

- Você pisou na lagarta cara, que merda! - esbravejou Rogério indignado com tudo aquilo.

- Mas a gente não ia matar esse bicho de qualquer jeito?

Decidimos então nem contar a ele o que acontecera naquela cena lancinante para não piorar ainda mais as coisas, o Sivuca não concordou nem discordou, não falou nada. Então seguimos. A jornada era duríssima, a coisa ia de mal a pior, porque além do cheiro que o cadáver do lagarto produzia ser horrível, vinha com isto uma saudade daquela canção que nos alegrou naquele momento.

Caía a noite e já ouvíamos alguns tambores ao longe. Eram nativos e não era conveniente encontrá-los a noite, nem ser encontrados por eles. Fincamos estacas e acampamos ali mesmo, para na manhã seguinte estudar a possibilidade de fazer contato ou não. Feito a fogueira e comidos todos os biscoitos que o Arlindo nos fizera carregar, decidimos dar cabo no bichinho. Espetamos o lagarto e colocamos na fogueira, Rogério ainda não sabia se ia comer a carne do bicho cantor. Eu preparava a carne com todo o pesar do universo e Sivuca engolia um ranho de choro contido, mas preferia nem falar nada.

Eis que, sem mais nem menos, as chamas da fogueira ardiam como se estivessem vivas e lambiam o cadáver ferozmente. Como não havia água, sugeri que mijássemos no fogo para não tostar toda a carne. Rogério foi radicalmente contra aquela falta de respeito com o lagarto. Arlindo foi o primeiro a botar o pau pra fora, já o Sivuca não falou nada.

Mas quanto mais mijávamos, mais fortes as labaredas ficavam. A fumaça colorida que saia da carne incendiada dançava "espiralmente", envolvendo-se em si mesma, até tomar uma forma semi-humana.

- Blasfemos, urinando em minhas vestes carnais, mas que porcos desprezíveis, imundos e ridículos que vós sois. Eu definitivamente não acredito que são estes os escolhidos de minha mãe para as vocações tão gloriosas que irão desempenhar - disse aquele vulto que, pouco a pouco, ia tornando-se claro como a sua voz.

- Mas afinal quem é esse? perguntávamos uns aos outros, com exceção do Sivuca, que não falava nada.

- Eu sou o início - esbravejou a entidade fumaçante.

- Mas como assim velho? - indaguei pexplexo.

- Eu sou o fim! - respondeu prontamente.

- Ele tá de sacanagem, essa bichona estranha ai - desdenhou Arlindo acendendo um cigarro soberbamente.

- Eu sou o indivisível, o real e o irreal, sou o "indenominável", o oni.

- Oni?

- É, oni-tudo.

- Hum, não entendi nada mas por mim - disse o Arlindo.

- Ele é Deus, não ta vendo anta? - tasquei.

- É, sou mesmo e daí? Ninguém é perfeito.

- É que eu pensei que fosse bem diferente - disse Arlindo em ar de deboche.

- Todo mundo pensa, barba, manto e blá-blá-blá, mas não é para isso que vim aqui para este deserto, o que eu vim fazer aqui na verdade foi...

- Peraí, a sua voz...

- O que tem a minha voz?

- Desculpe interromper, mas eu conheço a sua voz, você não é o...o...

- Sim, é a voz do Jim Morrison.

- Uau, então você foi ele? - ingenuamente indaguei.

- Não, não, eu só peguei a voz dele pra mim depois que eu lev, quer dizer, depois que ele se partiu, foi bom para pegar as garotas por um certo tempo sabe, mas isso não vem ao caso, o que importa é que ...

- Tá mas só mais uma coisinha, essa roupa, esse cabelo e esse “zig-zag” vermelho não é do???

- É, é Stardust sim, mas também não tenho nenhuma relação com ele, não me venha com teorias conspiratórias, eu me visto assim pra me sentir melhor ok!? Mas o que me interessa é que, háááá! Ah, até que enfim não interromperam minha preciosa fala. E o velhinho ali, o ancião, não quer perguntar nada também? Afinal, i am god, fuck!

Mas Sivuca não disse nada.

- Tudo bem, enfim posso pelo menos ter agora a tão aguardada oportunidade para poder conjugar os esforços necessários para inteiramente informá-los de que... bom, ã que... Puts eu esqueci.

- Como assim você esqueceu, tá doido?

- Ah esqueci caralho, vocês não paravam de indagar coisas idiotas e eu esqueci o que tinha pra dizer. Poxa vocês já são 7 bilhões, eu sou só um...

- Se não me engano tinha algo a ver com a sua mãe, lembra... Sua mãe?! Como assim?? - pirei.

- Pra mim já era, fodam-se vocês, são muito manés mesmo, eu vou me embora, perderam plays. Fui.

E se foi embora, Deus, caminhando apressadamente, irado. Ele só conseguia pensar em uma coisa enquanto tirava o tapa-olho:

- Ufa, quase me entreguei.

Já a facção mundana parecia ter superado a questão, incrédulos ou não, pareciam não ter entendido que aquela era a experiência tal, para aos quais foram devidamente arrastados ao deserto pelos seus destinos. E rindo fomos, boçais, cantando hinos de virtude a procura da graça em áridas terras. O Arlindo continuou sendo o autor de diversas cagadas, já o Sivuca, bom, o Sivuca não disse nada.

1 Comentários:

Lucas Loch Moreira disse...

Não gostei do "caro amigo Lucas...". Eu sempre fui barato...