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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Cinema, onde?

Para ver
Crônica de Luis Fernando Verissímo

São as seguintes as estréias da semana:
O ventre negro da tarântula — Comédia. Um cientista coleciona aranhas para fins inomináveis. Também gosta de perseguir mulheres com uma faca para estripá-las, o que o torna um fracasso social. Cansadas da sua dieta interminável de pâncreas de mulher, as aranhas se revoltam e marcham contra o Palácio do Governo, mas esta cena a Censura cortou. Há vários doses de desmembramentos, uma decapitação, uma ânsia de vômito e dezessete extirpações de calo pelo método Scholl. Neste filme, Drácula é o mocinho!
Sartana, o matador — Drama psicológico. Sartana chega numa cidade do oeste americano, na Sardenha, e mata todo mundo. Menos quatro, para completar a mesa de pôquer. Mas aí dá briga no pôquer e ele mata os quatro também. Neste filme é empregado pela primeira vez o processo Blood-O-Bath, uma invenção italiana que faz o sangue esguichar quatro metros a cada perfuração de bala. A Censura cortou uma cena que mostra duas crianças se beijando na face, pelas possíveis implicações políticas.
Django e Sartana até o último sangue — Drama social. Sartana não gosta da cara de uma velhinha e lhe dá um pontapé na barriga. Acontece que a velhinha é a mãe de Django. Django reclama: “Na minha mãe, bato eu!” Sartana, só por birra, degola a velhinha. Django não gosta. Pega o cadáver da mãe pelos pés, correndo atrás de Sartana, para atirar na sua cabeça. Sartana se refugia num matadouro. Caem os dois num barril de sangue de porco e começam a rir. Tudo acaba bem. A Censura cortou uma alusão à “democracia liberal”.
O justiceiro cego — Musical. Co-produção tcheco-boliviana, feita na Espanha. O filho de Al Capone resolve vingar a morte do pai. No fim do filme descobre que o pai teve morte natural e desiste. O ponto alto de toda a produção é o bombardeio, com napalm, de um asilo de órfãos cegos mas este é o único momento de leveza do filme. A Censura cortou a palavra “puxa!” da trilha sonora e uma sugestiva piscadela da heroína Sonja Henie.
Assassinato no 17.° andar — Comédia romântica. Uma mulher é atacada sexualmente pelo cabineiro do elevador do seu prédio. O marido vai vingá-la e é atacado também. Vem a polícia e também marcha. Chamam a Guarda Nacional. O cabineiro entreabre a porta do elevador e desafia: “Venham dois a dois sem baioneta que vocês vão ver!” No fim, os condôminos do prédio tomam uma atitude drástica: passam a usar a escada. A trilha sonora é de Michel Legrand e inclui o sucesso: Lotação máxima, seis pessoas ou 480 quilos. A Censura proibiu toda referência a eleições diretas e sodomia.
Sangue no sarcófago da múmia — Infantil. Um grupo empresarial abre um bordel para necrófilos na Transilvânia. Há cadáveres para todos os gostos. A caftina (Sir John Gieguld) recebe clientes especiais com cochichos: “Há uma recém desenterrada no 19, novinha!” e os clientes em vez de perguntarem “Como é que você caiu na vida?” perguntam “Como é que você morreu?” Etc, etc. As crianças vão adorar. As cenas da cesariana e do atropelamento, além de excitantes, são educativas. A Censura só cortou a cena de dois adultos normais se beijando (na boca!) por ser atentatória aos bons costumes Este filme ficou retido em Brasília até que decidissem se ele insultava ou não o povo da Transilvânia, pais com o qual o Brasil mantém relações diplomáticas. Aí a Censura descobriu que a Transilvânia não existe mais. Aí...

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