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sábado, 6 de dezembro de 2008

Colhões - Parte II

A zero por hora


Quando o Opalão encostou junto a bomba de gasolina descemos do carro ao mesmo tempo, uma milha rodada e você se sente como se tivesse sido enterrado vivo. Foram dois turnos, um calor do caralho no sul do país, parando apenas pra urinar e viajando numa média de 120 Km/h chegamos no posto na entrada da cidade as 10 horas da manhã. Hora do café. Julio César foi correndo rumo a lojinha do posto. Café, cigarro e aspirina, pra mim uma coca. O tanque vazio do opala não foi o único motivo da parada, JC têm um informante aqui.
Enquanto ele inicia as negociações dentro da lojinha, só espero que não esqueça a coca cola gelada que eu desejei toda viagem quando ele contava como sua vó era uma puta frigida numa portugal barroca, devia ser mentira, as datas não batiam. O frentista acabou de encher o tanque e fez um comentário sobre nosso carro, um clássico, que seja, depois disse que o calor era comum naquela época do ano, não chovia e o terreno virava uma filial do inferno, então os mendigos e bêbados da cidade eram presos por andarem pelados pelas ruas, sem contar todas as crianças subdesenvolvidas que iam parar no pronto-socorro com disenteria e...
__ O quê houve nessa eleição? __ perguntei mais para mudar de assunto, mas a resposta de fato me interessa.
__ Para prefeito? Mas tchê, então tu já soube? Foi uma grande confusão isso sim. Olha, eu nem tava aqui, voto em Lavras, sabe. Mas tchê, quando eu cheguei aqui noutro dia, minha mulher chorando apavorada... olha, não vou te exagerar, mas foi uma verdadeira guerra. Deu uma revolta tão grande nesse povo que a meia dúzia de policiais da cidade não sabia era onde se esconder. Dos que não são de confusão foi poucos os que escaparam da fúria do povo. Eu não vi, mas minha mulher disse que mais parecia uma manada em fúria levando de arrasto tudo pelo caminho, ela mesma só escapou por que o Paulão que é muito amigo do meu sogro ofereceu a casa pra ela passar a noite. É nessas horas que a gente conhece os amigos de verdade.
__ Claro...
__ Enfim, a confusão só cessou mesmo com a chegada da tropa de choque. Eu até defendo a intervenção militar, mas não assim do jeito que foi. Tem amigo meu na CTI até hoje, depois vem nego dizer na TV que era bala de borracha. Tem também aquelas bombas de gás... como é que é mesmo?
__ Não sei.
__ Pois é. E tinha muita criança envolvida, curiosidade né, sabe como são as crianças. Depois teve gente protestando, acusando, defendendo. Tudo circo da TV, não adianta mesmo chorar sobre o leite derramado.
__ Qual foi mesmo o motivo? O quê causou essa confusão?
__ Ah, não sabe não? Ora, pois foi esses fiasdasputa desses prefeitos. Espera ai que eu vou buscar um jornal velho que explica bem direitinho.
Enquanto o frentista se afastava em direção a lojinha do posto, eu pensava em que merda eu tinha me metido dessa vez. Tropa de choque e televisão... porra! E cadê o J...
Bang, bang.
__ ...Merda!
Foi quando J.C saiu correndo pelado da lojinha, então algo deu errado, o desgraçado gritava apavorado para eu atirar. Abri rápido o porta luvas e peguei a bereta 92 ainda no coldre. Saquei a arma e mirei no vulto que abria a porta logo atrás dele. Odeio beretas, de quê serve uma bereta em um tiroteio. Os filmes de faroeste nos ensinaram a crer em grandes tiroteios a revolver, conhecimento empírico e tal, mas isso é impossível. Com os revólveres usados na época só se fosse tiro a queima roupa e olhe lá. A arma usada por qualquer cowboy decente sempre foi o rifle. Nada mudou de lá pra cá. Só J.C não sabe disso e insiste em andar por ai como a porra de um Mr. Blonde com duas beretas em baixo dos braços.
Duas beretas, eu segurava uma, o frentista do posto, vermelho como o diabo, trazia a outra em punho. Era um alvo fácil, só notou a arma apontada em sua direção tarde demais. Daquela distancia, sem chance de erro. Ele era esperto o suficiente pra entender isso, então parou, ainda apontando a arma de J.C contra ele.
__ Larga essa arma! Agora!
__ Nem fodendo! Não antes de eu dá um tiro no saco desse fiádaputa comedor de mulher alheia.
J.C parado ao meu lado, encolhido, olhava com desdém a arma na mão do frentista. Hoje concerteza é o dia da caça, não? Eu sei disso, as bolas de J.C prestes a serem mutiladas por uma 9mm também sabem disso, só J.C não sabe. Se ele tivesse a ousadia de rir daquela situação eu mesmo atirava nele. A ignorância é uma benção.
Agora uma garçonete semi despida saia da lojinha do posto, porra de posto maluco, trazia as roupas do J.C nos braços, jogou-as em nossa direção. Pronto.
__ Agora devorve a arma do moço! __ mandou a mulher e ríspida voltou para dentro da loja. O frentista titubeou.
Uma 9mm apontada pra testa do sujeito e ele cagando de medo da mulher. Sorte nossa. Jogou a arma no chão, deu de ombros e saiu atrás da garçonete.
J.C vestiu-se e apanhou a arma no chão. Porra, quem anda com ele ta sujeito a essas merdas. Devolvi a outra arma e entrei no carro. Ele ajustou o coldre, coçou o saco e entrou também.
__ Te devo uma explicação né? __ perguntou enquanto acendia um cigarro.
__ Não.
__ Não?
__ Não. Mas ainda me deve uma coca.

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