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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Não é céu (ou O último dia)


Roberto acordou, na verdade foi arrancado de seu sonho por buzinas de automóveis e microfonias em alto-falantes, sentia-se submerso, já estava afastado o bastante e há bastante tempo, ele esperava, não que realmente esperasse algo ou alguém, mas ali estava, devastado, um zumbi faminto em quarentena, não havia pressa, aliás nunca houve, o tempo era uma ilusão, algo previsível e inesperado, então ele espiou o céu opaco através da janela suja do terceiro andar, era quase meio dia e os tambores ainda rufavam, elevadores subiam e desciam percorrendo andares vazios, simultaneamente insatisfeitos e sonâmbulos todos os crentes clamavam ao amanhã os acontecimentos grandiosos de hoje, que como qualquer outro acontecimento grandioso se faz com atraso e aplausos sonolentos, seria até desprezível se não fosse transmitido ao vivo na tevê onde todos os olhos mendicantes podem ver, mas é preciso colírio pra assistir a chegada do messias em um rabo de foguete, foram tantas as emissões de raios ultra-violetas em sua vinda que quando o messias finalmente falou o pólo norte derreteu e inundou todo deserto, cada santo ao seu tempo, o cristo do terceiro mundo tem a face negra, há caos, desordem, e fogo em Roma, os ku-klux-klan saem de robustos armários e se enforcam em limoeiros, isso pode parecer divertido e é mesmo, exceto é claro a os limoeiros que não acham nada disso engraçado, Roberto falava com seus botões, em outros tempos isso seria assunto pra toda semana quiçá todo mês, melhor do quê falar do tempo e das horas que não passam ou quantos anos já passou, mas o relógio digital também piscava aflito, faltavam 23 segundos para o mundo se acabar, o vermelho dos números digitais refletia alegre na parede mofada, algumas flores mortas exalavam odores mórbidos que se confundiam com a fumaça dos corredores, era quase um funeral com o defunto ainda vivo, Roberto ainda olhou as horas (existe uma teoria, amplamente negada pelos cientistas por sua total falta de comprovação cientifica, que diz que não é o ponteiro do relógio que gira, nós é que giramos em torno do relógio, drasticamente isso parece explicar a total escravidão humana para com esse pequeno carrasco de pulso) antes de voltar a dormir, se o mundo iria acabar pra que sair da cama, mas se vai mesmo acabar então é bom apressar-se antes que os EUA encubram tudo.

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