Tópico

domingo, 24 de agosto de 2008

Saídas e Bandeiras

Era um dia trivial como outro qualquer repleto de amenidades e indolências.
Uma edição avulsa da Caros Amigos jazia morta sobre minhas mãos enquanto eu assistia calmo e lento o velho parquê do quarto ruir embaixo dos meus pés, minha cabeça sobrevoava ao léu, percorria distâncias, segredos inconfessáveis eram soterrados junto as ruínas de uma civilização perdida e eu impassível as manifestações do tempo, isolado em vácuo profundo. Foi quando o telefone num rompante rompeu o silêncio partindo o casulo e com ele o feitiço das últimas horas.
__ Marta. Pode atender?__ pedi na falsa esperança de ser ouvido.
__ Agora não dá. Atende você!__ eu sabia.
__ Sempre que eu atendo o telefone é pra você então por que você mesma já não atende.__ insisti.
__ Já disse que não posso. Se for pra mim me chama ta.
Juro que não entendo a lógica feminina, um dia (se deus quiser) eu tomo coragem e digo isso à Marta. Talvez seja tempestade em copo d’água, algo superficial que realmente não vem ao caso, mas as pessoas só se conhecem verdadeiramente na crise, o resto é resto e se nunca houve crise então nunca houve verdade. Foi pensando nestas e em outras coisas que iam surgindo aleatórias e naturalmente que atravessei o corredor escuro até o telefone que ainda tocou outra e outra vez. Atendi.
__ Alô?
__ Senhor?__ respondeu uma voz levemente carregada em sotaque britânico, seu tom urgente chegou a me soar afetado.
__ Quem fala?
__ Agente 007, senhor.
__ Ah sei. Tu quer falar com a Marta né?__ “eu não disse” pensei.
__ Marta? Não senhor. O senhor está bem?
__ Claro. O que deseja?
__ Okay. Estou com o alvo na mira a espera de sua confirmação.
__ Ok.
__ Devo atirar?
__ Não! Não sei. Deve?
__ O alvo estará fora de alcance em 45 segundos senhor. 44...
__ Escuta, será que não é engano?
__ Senhor?
__ Eu falei que é engano!
__ Quem é você?
__ Rogério.
__ Oh, fuck!
Antes de desligar o telefone ainda escutei algo como “Motherfucker! I kill you!”.
Percorri de volta o corredor escuro, calmo e lento o chão rangia como a reclamar o peso que pisava o velho parquê, pensei comigo mesmo que ainda não era tarde demais pra trocá-lo. Na sala de jantar Marta clamava ocupada entre louças e tragédias:
__ Rogério... ai meu deus! Mataram o presidente!

0 Comentários: